Ainda estamos aqui — Crônicas do Brasileirão (34/38)
Vasco 0x1 Inter. O gol solitário de Wesley na Colina Histórica abriu a redway para a vaga direta na Libertadores no 15º jogo invicto pelo Brasileirão
O futebol é a arte de fazer o belo. A começar pela ação conjunta de Vasco da Gama e Internacional nos patches das camisas com o lema “Juntos contra o racismo!” que foram estampados no jogo de hoje (21), um dia após o primeiro feriado nacional do Dia da Consciência Negra, em memória ao assassinato de Zumbi de Palmares em 20 de novembro de 1695. Com a lembrança histórica feita fora de campo, dentro dele, uma das grandes belezas presentes na disputa do futebol é você saber que seu time, mesmo sem dar show, em um jogo difícil, consegue ter cabeça pra superar as adversidades. Foram três pontos pra lá de suados para garantir, mas eles aconteceram.
A atmosfera de São Januário sempre mirou os adversários a fim de jogá-los aos mares revoltos muito além da Taprobana, como poetizou Camões em Os Lusíadas. Porém, mesmo em terreno alagadiço, o Inter conseguiu crescer no primeiro tempo com a boa partida de Renê, sim, o nosso lateral-esquerdo reserva deu conta do recado. Por outro lado, uma atuação pobre de Bruno Tabata não ajudou na estreia de Braian Aguirre na lateral-direita vermelha.
Entre lançamentos e tentativas frustradas de fazer o “pula-pirata”, com o perdão do trocadilho, ao centroavante Pablo Vegetti, o Vasco tentou alguns momentos esporádicos de pressão, porém nem com Dimitri Payet na causa a coisa estava para ganhar um contorno mais feliz para o Almirante. O que demonstrou uma discrepância nas zonas que compõem a equipe vascaína e, fora a presença dos dois estrangeiros e ocasionalmente de algum talento que outro, a equipe de Rafael Paiva hoje passa longe dos melhores momentos que teve no Brasileirão.
Na etapa final, o Inter aumentou o volume. Com Fernando e Gabriel Carvalho em campo e estabelecendo um bombardeio de fora da área com Borré e Bruno Henrique, o colombiano perdeu então a grande chance do jogo tentando colocar por debaixo de Leo Jardim. Porém, foi em um rebote do zagueiro Léo que o Colorado foi recompensado com um chute de Wesley, artilheiro do Inter no Brasileirão, para acertar o canto esquerdo da meta vascaína e abrir o marcador.
Um Vasco cada vez mais cansado mental e fisicamente viu Philippe Coutinho entrar (para ciúmes eternos de certo treinador colorado que ironizou não tê-lo no banco em 2020). Mas a barreira da zaga formada por Vitão e Rogel não virou baile, tascando um senhor rock pauleira à lá Rammstein para afastar qualquer perigo cruzmaltino. Mesmo com Rochet falhando e quase entregando um gol bizarro na reta final do jogo, a boa fase do Inter iluminou tudo.
A média alta colorada se provou mais uma vez e Roger Machado, porto-alegrense tal qual o “Seu Ênio” Andrade que comandou o Inter em 23 jogos sem perder na conquista do terceiro título nacional, chegou a maior sequência invicta do time desde o último título brasileiro em 1979. Um dado trepidante e que causa o famoso frisson em toda a loucura que permeia o id vermelho desejoso da taça nacional que há duas gerações não vem, e que não obstante sempre arranja um jeito de se desamarrar da ditadura do superego do pessimismo alvirrubro.
Mas se, de fato, quisermos o tetracampeonato do Brasil, é preciso dar um jeito, meu povo. Entre a força da ancestralidade que move o Inter — de todos que vieram e construíram o clube — e a saudamos como Roger Machado o fez vestindo a camisa do símbolo colorado com o punho cerrado — e este trabalho histórico a qual nós nos convocamos para consumar o deste fim de jejum, ainda estamos aqui. E assim será no próximo domingo (24) lotando o Beira-Rio para embalar o time a mais uma vitória contra o Bragantino. Atentos, fortes e sempre buscando construir o melhor destino e campanha possíveis pelo Clube do Povo. Pois se for a nossa vez, os caminhos hão de se abrir, em especial com a nossa força coletiva pelo Internacional.
Tiago Pereira Lumertz