Virtual e real – Crônicas do Brasileirão (37/38)
Inter 0x1 Botafogo. Na penúltima volta do Brasileirão, o Inter perde para o líder e virtual campeão no último jogo do ano no Beira-Rio
Depois do baque contra o Flamengo no Maracanã, o Internacional adentrou a semana unicamente mirando as chances reais de terminar o Campeonato Brasileiro no G4. Com a derrota do Fortaleza para o já rebaixado Atlético Goianiense em Goiânia em jogo paralelo, o placar mínimo e adverso no Beira-Rio não nos tirou posições. O problema foi a mácula que pairou praticamente a noite inteira, do gol de Savarino em Porto Alegre até o gol de Estêvão em Belo Horizonte com a sombra de uma comemoração de título na Padre Cacique que, outra vez, não seria com as camisas rubras e comemoração vermelha infindável no Rio Grande e no planeta.
Depois de John Textor agradecer a “prova de amor” do Flamengo no final de semana, o Botafogo ganhou do destino – como um plus ao título da Libertadores em Buenos Aires – um pouso “mais tranquilo” em Porto Alegre contra um Inter teoricamente desmobilizado, afinal, sem chance de título colorada o departamento de “vai dar merda” do Glorioso não teve maiores trabalhos. Mesmo com o gol aos 5 minutos e com erros pontuais do setor defensivo, o Colorado fez uma partida sólida e que não sofreu riscos generalizados do meio para trás. A jogada ensaiada do único gol do jogo foi o único grande chute botafoguense na meta de Rochet, que não teve mais nenhuma outra intervenção mais dramática. Noves fora, mesmo sem a presença ilustre de Alan Patrick – fora da temporada por conta de um edema muscular – o Inter conseguiu avançar pelos flancos com Bernabei, Bruno Gomes e Wesley.
Outro capítulo que se faz necessário discutir se chama Enner Valencia. Depois de participação nos dois gols no último jogo, há um certo abatimento físico – além da temporada desgastante – para o atacante equatoriano. Por óbvio, pesam os 35 para 36 anos que ele fará em 2025, e é necessário repensar (com carinho) a permanência dele no Inter. Uma porque Rafael Borré ocupou com mais volúpia a posição de centroavante titular, e outra pela incapacidade de contribuir no nível que o soldo do Inter lhe contempla desde julho de 2023. Além, é claro, das máculas da torcida que estava contando os minutos para cagar teses sobre o quão desgraçado e azarado é o Internacional em ver o Botafogo campeão em casa, etc. pois não há terapia no mundo que tire essa mágoa pelos gols perdidos por ele naquela maldita semifinal de Libertadores. Como diria Dick Vigarista: “raios, raios duplos”.
Nesses momentos é fundamental colocar a bola no chão para discutir o todo. A partida do Inter foi de alto nível e serviu como exemplo de entrega física e técnica que o time dispõe. Porém um time é feito de grupo e isso é o que muitas vezes fabrica derrotas aonde deveríamos ver vitórias. Olhando tal aspecto, Bruno Henrique perdeu muitos pontos e Rômulo se consolidou como uma das fichas que o Inter deve vender por um bom valor em 2025, se tudo der certo. O próprio Rochet há de sofrer contestações por saídas ruins do gol e na zaga é necessário encontrar dois complementos de dupla de zaga para Clayton e Rogel, já que Vitão, infelizmente, vai sair para o futebol europeu por uma capacidade muito alta enquanto defensor demonstrada ao longo de três temporadas no Inter.
Bernabei, apesar do sofrimento dele contra Luiz Henrique – eleito herói da Copa Libertadores 2024 pela Conmebol -, continua sendo um dínamo de velocidade na esquerda e peça fundamental para o time em 2025. Bruno Gomes, apesar de altos e baixos, se consolidou como um bom lateral direito e não é de espantar o interesse de times europeus nele também. Fernando Reges tem um trato finíssimo com a bola mas infelizmente não encontramos a fonte da juventude para que ele jogue no mínimo até os 50 e por isso ou Luís Otávio ou outra contratação deve aparecer para complementá-lo. Na segunda volância, talvez a grande indefinição pela volta atrapalhada de Thiago Maia contra o Flamengo domingo passado e o desempenho de Bruno Henrique manquitolando a cada jogo como titular.
Mesmo numa partida ruim, Gabriel Carvalho merece ser moldado como o 10 reserva do Inter em jogos que Alan Patrick não esteja. Bruno Tabata começou muito bem, mas o preço de tantas presenças lhe desgastou fisicamente também e é necessário um ponta a mais por ali. Wesley e Wanderson também são dúvidas e, ocasionalmente, na saída de um por venda haverá a reposição por outro no mercado. E no ataque, como já citado, é provável que Alario saia e, no caso de Enner também sair, a característica vai forçar a procura de um 9 similar à Borré.
Uma lauda inteira da lista de dispensa imaginária que povoará os nossos “dias de véspera” depois, creio que além de Alario, Lucca Drummond, Lucca Holan e Hyoran vão ser dispensados. É uma oportunidade de executar uma manutenção pontual referente ao time titular vigente no Inter de Roger Machado. Afinal, a pré-temporada começa em cerca de um mês e é necessário começar a dar um ”biotônico” ao elenco vermelho com bases sólidas no mundo real.
Já que o virtual, o hipotético, é mais bonito nas palavras e nas projeções do que no gosto insosso que o real muitas vezes acaba temperando as coisas. Isto não quer dizer que “planejamento é quando ganha”, muito pelo contrário. Todo planejamento é e será a arquitetura de um plano que quer se pôr em prática. Principalmente se tratando de planejar para ganhar o Gauchão e acabar, como nos últimos oito anos, não o ganhando. O que complicou demasiado as forças coloradas no restante do planejamento de cada uma destas temporadas.
Por isso o que vem dessas duas derrotas para Flamengo e Botafogo são as entranhas abertas. Não para dizer que tem que mandar embora todo mundo, mas é necessário entender que é peremptório “azeitar a máquina” e conceber condições para que o poder do Inter dentro de campo seja bem estruturado fora dele. Para não depender unicamente da sorte ou culpar eternamente o azar de encontrar um juíz pavão que nem foi Ramon Abatti Abel na noite de quarta (4). E há quem desdenhe e ignore que uma arbitragem ruim também acabe afetando o psicológico dos jogadores por despreparo e, em último caso, uma necessidade ególatra de demonstrar autoridade em um jogo transmitido em rede nacional.
Todo este calhamaço de planejamento faz com que a bola não entre por acaso. E tal cuidado e racionalidade são necessários para que justamente as bolas disparadas pelos pés dos jogadores vermelhos entrem no gol adversário. Não se ganha cantando de galo achando que vamos passar o trator nos outros, longe disso, mas para entender que a fome de conquista tem que continuar e ser insaciada até que saiamos todos deste maldito jejum. O grupo atual do Inter está longe de ser perfeito, mas é belo e honesto reconhecer que é necessário continuar a crescente de desempenho fora de campo (e apoiar as medidas que reforcem isto) para ganhar jogos e levantar troféus dentro dele.
Não adianta apelar para as SAFs no “modo motherload” pois ele não contrata títulos e tampouco orienta automaticamente a gestão de futebol. O Inter passa por um momento financeiro complicado ainda e em 2025 a situação há de se repetir e, por tudo isto, é necessária astúcia para contratar – e aqui a bola vai para os pés de Alessandro Barcellos e André Mazzuco -.
Quem sabe assim o chute do Enner vá em gol ao invés da trave, o do Borré com apenas Gatito à frente também e outros tantos lances apareçam em nosso favor. Pois antes da sorte, o que se faz repetitivo e urgente é entender a nossa qualidade média, não por acaso, hoje o Botafogo a tem de sobra – o que com 320 milhões investidos na janela de transferências é uma mão na roda -. E cabe a nós correr atrás da máquina para não a perdemos de vista.
Tiago Pereira Lumertz
[Este texto é dedicado a Hildebrando dos Santos Silva, pai do atacante Wesley, falecido após acidente de trânsito na noite do dia 4 de dezembro. Ao jogador e aos familiares, nós da CLV prestamos solidariedade e unimos nossas forças neste momento difícil.]